Sentada, a rabiscar notas sem melodia num pedaço de papel, a maestrina viajava em suas idéias, saltando de um pensamento a outro, fitando com os olhos vazios a pena que segurava.
Procurava talvez uma inspiração para uma nova composição, ou quem sabe, simplesmente voava com a cabeça no futuro, tentando enxergar o que estava por vir. Na poltrona caiu num cochilo manso, ainda submersa num mundo que não era seu.
A campainha a pegou desprevinida, derrubou então o tinteiro na roupa que usaria naquela noite. Num salto levantou e chingou baixinho. Ainda era um pouco cedo para os convidados, mas fez com que as portas fossem abertas e foi surpreendida por um grupo de pessoas diferente do que costumava receber.
Eram malucos, sem a menor sombra de dúvida. Homens vestidos de mulheres, todos fantasiados, com máscaras esquisitas, roupas de bobo da corte, princesas ridículas, maquiagens exageradas. Todos tinham algo em comum, a alegria.
Parada ainda na frente da porta, a menina percebeu que eles todos entraram sem serem convidados, mas isso não lhe incomodou, estava curiosa com outra coisa. Era a música. Batidas fortes, um rítimo acelerado, elétrico, lembrando o som de um coração pulsando. E era aquele pulso que os dançarinos invasores acompanhavam, bailando uma dança da terra, num misto de serpente e raíz. Logo o som etéreo usual foi substituido pelo batuque e pela algazarra.
Durante quatro noites o salão foi transformado, ganhou diversas cores no lugar da prateada, foi decorado com fitas e purpurinas. As crianças corriam jogando confetes umas nas outras, se escondendo entre as pernas dos aldultos.
Os convidados chegavam de todos os lados, sambando com máscaras brilhantes, a cantar a música de cor. Era impressionante, analisou a maestrina de minuetos, há tanto tempo enterrara no fundo da cabeça aquela festa, esqueceu completamente do calor, da cultura, da bagunça divertida.
No final da quarta noite, com uma última canção, os alegres dançarinos, cantores e instrumentistas se encaminharam para o enorme portão, e assim como chegaram, saíram: imprevisíveis.
Quando a última criança correu para junto do grupo, com o bolso cheio de doces, a maestrina fechou o portão e se sentiu vazia, oca. Podia ainda ouvir o salão vivo, pulsando. O ar ainda vibrava, ainda dançava aquele reboliço. Mas as fitas já não faziam mais sentido, não tinham graça sem a música.
O castelo voltou ao usual, com a música suave, com a cor de prata, deixando o colorido para talvez uma próxima visita.
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