Se você me da licença, meu personagem de hoje é masculino. Coloco nele toda a inocência, todas as dúvidas e todas as fantasias. Veja, essa característica é importante: o personagem questiona a vida com tanta inocência que para ele o óbvio é surreal aos olhos da gente grande. Vou parar de chama-lo de personagem, assim parece um instrumento. Não, ele tem vida. Felipe.
Quanto ao cenário... preciso de uma sala de estar com um tapete grande no chão. Lembrando que grande é relativo. Para a criança da história era grande, como tudo na sala. A televisão quase ocupava a parede inteira sobre o armário que por vezes era escalado numa aventura. O sofá tinha enormes botões no centro de cada almofada. Bom, isso pouco importa, vamos à ação.
Deitado sobre uma pilha de fitas de vídeo, Felipe terminava de assistir “O Rei Leão”. Logo que as letrinhas começavam a passar na tela, ele se esticava para rebobinar. Odiava rebobinar, mas era um momento solene, via o Simba deixar de dar o rugido, desistir da caminhada pomposa sobre a Pedra do Rei. Tudo caminhava para trás, as palavras deixavam de ser ditas, Timão e Pumba saíam de cena, Mufasa deixava de estar morto. O menino baixava os olhos da tela para coloca-los nos números. O tempo corria para trás, até os bichos se recolherem e o sol desaparecer. 00:00:00.
Se quisesse acelerar, também podia, assim pulava as partes chatas. Tirou a fita de vídeo e ficou olhando para dentro do buraco. Talvez pudesse fazer da sua própria vida uma fita. Se a colocasse lá dentro, poderia acelerar, poderia ver como seria depois que crescesse. E depois disso, se tudo ficasse chato, se a saudade batesse (como muito viu acontecer com seus pais), poderia rebobinar tudo de novo.
00:00:00.
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